Digam comigo: queremos mais opiniões de mulheres no debate público português e de jovens e minorias.
De todas as previsões para o próximo ano, aquela em que tenho menos
medo de errar é na seguinte: no próximo ano vamos passar muito tempo em
salas de conferência, estúdios de televisão e páginas de publicações
discutindo o futuro de Portugal, da Europa e do mundo, e vamos ser quase
sempre só homens brancos de meia-idade ou mais velhos. Quem reclamar
vai ser considerado irritante.
Os debates serão longos, chatos e sem novidade. Um dos homens de
meia-idade suspirará pelo tempo em que não havia euro, outro pelo tempo
em que não havia UE, e uma das perguntas do público será de um homem com
saudades do tempo em que não havia imigração. A época por que se
suspira será determinada pelo conteúdo dos livros que o homem em causa
terá lido quando estava na licenciatura. A prioridade será regressar à
normalidade que neles era descrita para que o homem possa explicar as
receitas e soluções que já conhece de cor.
Os debates avançarão
pouco. E o debate sobre os debates avançará muito pouco. A ninguém
passará pela cabeça que uma composição diferente dos painéis — com mais
mulheres, mais jovens e até, sacrilégio!, mais minorias — dará
resultados mais interessantes. Ninguém dará muita consideração ao
argumento de que experiências pessoais diferentes trarão consigo ideias
diferentes, e que essa diversidade é proveitosa para a comunidade.
Argumentos desses serão considerados picuinhas, estrangeirados e
“politicamente corretos”. Se uma mulher os usar, dir-se-lhe-à primeiro
que tem razão e que aquela infelicidade será corrigida com o tempo, mas à
segunda vez lançar-se-lhe-à um olhar que dirá “por que és tão chata,
sua feminista impenitente?”. Se um homem se queixar, faça-se de conta
que ele não disse nada; à segunda, diga-se-lhe que poderá ele então
ceder o seu lugar a uma mulher. O objetivo é ter painéis de homens que
não se queixem por estarem em painéis só de homens e, de preferência,
que nem sequer reparem que o painel só tem homens.
Gostaria muitíssimo de me enganar. Gostaria que os organizadores de
tanta reflexão tomassem a diversidade e a representatividade como
resoluções de Ano Novo. Conheço todas as desculpas em contrário. Sei que
o trabalho de organização é ingrato, mal pago (na melhor das hipóteses)
e feito às pressas. Mas há remédios. Organizem atempadamente uma lista
de possíveis oradoras e peçam às mesmas para contribuir com mais nomes.
Liguem às pessoas de minorias que conhecem e peçam-lhes ajuda (é
desconfortável para ambos os lados? possivelmente, mas não mais do que
nunca ser ouvido ou nunca estar representado). Sei que as direções das
fundações, das revistas e das associações cívicas continuarão a ter uma
grande dificuldade em escolher mulheres para os debates, entre outras
razões porque têm pouquíssimas mulheres entre os seus membros. Alterem
os estatutos para adicionar uma missão geral de promover a diversidade
nas vossas actividades correntes e, já agora, a obrigatoriedade de
incluir mais mulheres nos órgãos. Não se arrependerão.
(Antes que
perguntem: sim, sei que apareci ontem num cabeçalho deste jornal rodeado
só por homens, e que participo num programa de televisão só com homens.
Mas protesto sempre e, nas ocasiões em que tive poder de decisão, fiz
tudo o que está descrito no parágrafo anterior. O resultado não foi só
melhor em justiça, mas também em qualidade, eficácia e aprendizagem.)
Sei
que a envolvente não ajuda. Os jornais, rádios e televisões não
costumam dar o exemplo.
Também aqui os editores e directores podem
avançar com uma resolução de Ano Novo. Digam comigo: queremos mais
opiniões de mulheres no debate público português, e já agora de jovens e
minorias também. Comuniquem essa decisão à vossa assistente ou
secretária (já repararam que é provavelmente uma mulher?), estabeleçam
uma meta, aprovem-na com quem tiver de ser, e cumpram-na em 2017. Se
mais nenhum argumento vos convencer, ao menos que seja este: ajudem-me a
falhar numa previsão.