Portugal merece que os seus deputados encontrem um meio-termo entre o
que volta e meia acontece no parlamento de Taiwan e o que esta semana
sucedeu no nosso: um modelo de discussão rija sem ser selvagem e cordata
sem ser mariconça
Segundo
diz aquele grupo de nostálgicos para os quais antigamente é que era
bom, vivemos hoje uma profunda crise de valores. Depois de ter visto o
incidente do debate entre Mourinho Félix e Leitão Amaro, sinto-me
tentado a concordar. Já tive ocasião de lamentar aqui a aflitiva pobreza
dos insultos na política portuguesa contemporânea, mas creio que esta
semana teremos atingido um novo mínimo. O melhor que o secretário de
Estado conseguiu foi dizer que o deputado do PSD revelava, e cito, "uma
disfuncionalidade cognitiva temporária". Trata-se, possivelmente, do
insulto mais pífio da história dos vitupérios.
É uma ofensa
vergonhosa, que faz os possíveis para não magoar. "Disfuncionalidade
cognitiva" é uma construção que significa burro, mas já se sabe como as
perífrases retiram agressividade a uma ideia. Esta, além do mais,
através da palavra "disfuncionalidade", sugere e existência de uma
patologia, da qual o insultado não tem culpa. E a necessidade de
salientar que se trata de uma condição "temporária" é mais um paninho
quente que contribui para embolar a injúria, de modo a que ela acabe por
não injuriar. No máximo, o que Mourinho Félix conseguiu foi insinuar
que Leitão Amaro estava armado em parvo. É pouco.
O PSD, por
outro lado, esteve bem quando reagiu com indignação, mas mal quando
dirigiu a indignação para o sítio errado. A bancada social-democrata
exigiu que o secretário de Estado se retractasse, mas devia ter exigido
que o governante formulasse um insulto sério e competente.
"Com que delicada flor pensa Vossa Excelência estar a debater?", deviam ter perguntado os sociais-democratas.
"Faça
o favor de dirigir ao nosso companheiro uma afronta que vilipendie como
deve ser", teriam acrescentado se ainda houvesse honra no parlamento.
Em vez disso, segundo a SIC Notícias, que cronometrou o castigo, os
deputados do PSD impediram que o secretário de Estado falasse durante
quatro minutos e 47 segundos. Nem o progenitor mais leniente alguma vez
disse ao seu filho: "Como o menino se portou mal, vai ficar quatro
minutos e 47 segundos sem ver televisão." É uma pena ridícula que se
ajusta a um delito patético isso é certo. Mas que empenho pode o povo
esperar dos seus representantes quando as legítimas divergências
democráticas, em lugar de lhes fazerem ferver o sangue, lhes põem a
circular nas veias uma cabidela morna e pastelona, incapaz de produzir
uma irritação que se apresente? Portugal merece que os seus deputados
encontrem um meio-termo entre o que volta e meia acontece no parlamento
de Taiwan e o que esta semana sucedeu no nosso: um modelo de discussão
rija sem ser selvagem e cordata sem ser mariconça. Normalmente, as
pessoas desculpam-se dizendo: "Excedi-me." O sr. secretário de Estado
devia ter a decência de nos dizer a todos: "Peço desculpa, contive-me."
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