18 dezembro 2016

Peço desculpa, contive-me

Ricardo Araújo Pereira
Boca do Inferno
Ricardo Araújo Pereira

Portugal merece que os seus deputados encontrem um meio-termo entre o que volta e meia acontece no parlamento de Taiwan e o que esta semana sucedeu no nosso: um modelo de discussão rija sem ser selvagem e cordata sem ser mariconça
João Fazenda
Segundo diz aquele grupo de nostálgicos para os quais antigamente é que era bom, vivemos hoje uma profunda crise de valores. Depois de ter visto o incidente do debate entre Mourinho Félix e Leitão Amaro, sinto-me tentado a concordar. Já tive ocasião de lamentar aqui a aflitiva pobreza dos insultos na política portuguesa contemporânea, mas creio que esta semana teremos atingido um novo mínimo. O melhor que o secretário de Estado conseguiu foi dizer que o deputado do PSD revelava, e cito, "uma disfuncionalidade cognitiva temporária". Trata-se, possivelmente, do insulto mais pífio da história dos vitupérios.

É uma ofensa vergonhosa, que faz os possíveis para não magoar. "Disfuncionalidade cognitiva" é uma construção que significa burro, mas já se sabe como as perífrases retiram agressividade a uma ideia. Esta, além do mais, através da palavra "disfuncionalidade", sugere e existência de uma patologia, da qual o insultado não tem culpa. E a necessidade de salientar que se trata de uma condição "temporária" é mais um paninho quente que contribui para embolar a injúria, de modo a que ela acabe por não injuriar. No máximo, o que Mourinho Félix conseguiu foi insinuar que Leitão Amaro estava armado em parvo. É pouco.

O PSD, por outro lado, esteve bem quando reagiu com indignação, mas mal quando dirigiu a indignação para o sítio errado. A bancada social-democrata exigiu que o secretário de Estado se retractasse, mas devia ter exigido que o governante formulasse um insulto sério e competente.

"Com que delicada flor pensa Vossa Excelência estar a debater?", deviam ter perguntado os sociais-democratas.

"Faça o favor de dirigir ao nosso companheiro uma afronta que vilipendie como deve ser", teriam acrescentado se ainda houvesse honra no parlamento. Em vez disso, segundo a SIC Notícias, que cronometrou o castigo, os deputados do PSD impediram que o secretário de Estado falasse durante quatro minutos e 47 segundos. Nem o progenitor mais leniente alguma vez disse ao seu filho: "Como o menino se portou mal, vai ficar quatro minutos e 47 segundos sem ver televisão." É uma pena ridícula que se ajusta a um delito patético isso é certo. Mas que empenho pode o povo esperar dos seus representantes quando as legítimas divergências democráticas, em lugar de lhes fazerem ferver o sangue, lhes põem a circular nas veias uma cabidela morna e pastelona, incapaz de produzir uma irritação que se apresente? Portugal merece que os seus deputados encontrem um meio-termo entre o que volta e meia acontece no parlamento de Taiwan e o que esta semana sucedeu no nosso: um modelo de discussão rija sem ser selvagem e cordata sem ser mariconça. Normalmente, as pessoas desculpam-se dizendo: "Excedi-me." O sr. secretário de Estado devia ter a decência de nos dizer a todos: "Peço desculpa, contive-me."

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