Entrevista a Eduardo Sá: "As mães têm sete sentidos"
O psicólogo tem um livro novo - "Querida Mãe" (Ed. Lua de Papel) - que, apesar da doçura do título, apela aos pais – e mães - para que assumam o seu papel. Diz que as crianças não são tão complexas que mereçam programas educativos e que não devemos viver para os filhos. Defende a brincadeira, a alegria, e o esforço. E também diz que o melhor do mundo continuam a ser… as mães.
- Este título é muito doce, mas depois o livro é um apelo à assertividade dos pais. As crianças estão mesmo a tornar-se chefes de família?
Sim. Tenho medo que os pais tenham
crescido em famílias e escolas demasiado autoritárias, e na ânsia
de não reproduzirem esse modelo acabam por lidar com a autoridade de
forma estranha, como um tabu. Às vezes esquecem-se que a autoridade
é um exercício de bondade. Quando os pais não exercem a sua
autoridade simplesmente porque sabem mais, na ânsia de serem bons
pais, acabam por se demitir da paternidade. E depois esquecem-se que
a autoridade funciona como uma caixa de velocidades: é preciso
regras, rotinas, atitudes ancoradas em reciprocidade. Deve haver um
conjunto de regras, e as crianças podem por vezes não as cumprir.
Mas demitindo-se do seu papel, os pais depois encontram nos filhos
uma cópia refinada dos seus próprios pais.
- Diz uma coisa tão triste: “Os
pais parecem presos aos mimos que imaginem não ter tido – e
parecem ter vivido a infância deles tão sozinhos…” Isto é
mesmo verdade’
Claro que é. Os nossos pais nunca
foram perfeitos, e não é por isso que são menos merecedores de
crédito. Mas também é verdade que, em muitos momentos, os nossos
pais não foram capazes de pôr legendas em tudo aquilo que era
indispensável para nós.
- Nós somos hoje melhores pais do
que os nossos pais?
Infinitamente. Não tem comparação
possível. Somos mais atentos, somos mais presentes, e se por vezes
não conseguimos fazer tudo aquilo que queiramos ou da maneira que
queríamos, tentamos com muita vontade. Mas tenho medo que em muitos
momentos haja uma ideia muito cor de rosa da infância, que muitas
pessoas consideram o paraíso perdido que nunca foi. A infância de
muitos pais foi mais infeliz do que eles gostariam de admitir, e é
normal que queiram ‘remendar’ nos filhos essas falhas. Eu não
questiono por um minuto a generosidade que isto representa, mas tenho
medo que pareçam gelatina Royal, que queiram ser pais sem dor.
- E não é possível ser pai sem
dor?
Não. Ser pai ou mãe implica
responsabilidade, implica perplexidade, implica muito contraditório.
- Diz que as regras não se
explicam, não se negoceiam e não se justificam. Porquê?
Porque os pais acham que são as
demonstrações quase matemáticas de uma regra que a tornam válida,
e isso não é verdade. O que torna uma regra válida é que os pais
exijam em função daquilo que fazem, o que muitas vezes não
acontece. As explicações não resolvem tudo, precisamos de mostrar
como se faz, o que torna tudo mais fácil.
- Porque é que os pais devem ter
mais direitos que os filhos?
Porque ser pai é um estatuto. E as
responsabilidades vêm equiparadas com direitos: quanto maiores as
responsabilidades, maiores os direitos. E portanto, as crianças não
devem dominar o comando da televisão, não devem dominar o
fim-de-semana com as suas actividades e ocasiões sociais. Mas acho
que às vezes os pais se queixam muito mas estão a ser um bocado
batoteiros, apresentando os filhos como desculpa daquilo que não são
capazes de construir com a pessoa que têm ao lado. É importante
lembrar que os filhos são muito importantes, ajudam-nos a crescer
como mais ninguém, mas a relação entre os pais é sempre mais
importante que os filhos. Os pais, por melhores pessoas que sejam,
precisam de ser felizes para serem bons pais. E quando põem os
filhos à frente de tudo o resto, é uma maneira hábil de dizer ‘Já
que eu não sou amado pela pessoa que tenho ao lado, ao menos que o
meu filho me ame’.
- Tentamos compensar com os filhos o
amor que não temos em casal?
Às vezes sim. Mas essa não é a
função de um filho. Mal estaríamos.
- Também fala no livro sobre
ensinar as crianças a não ter medo das dificuldades. Diz que
encontrar uma paixão dá muito trabalho. Como é que, num mundo em
que tudo é facilitado, se faz a apologia da dificuldade?
Estamos sempre a fazer publicidade
enganosa, porque a única coisa verdadeiramente fácil é a
estupidez. Tudo o que é verdadeiramente importante dá imenso
trabalho. E às vezes não nos damos conta de tudo o que trabalhamos
para que alguma coisa pareça fácil. Portanto, andamos a mentir às
crianças e depois isso cria problemas. Percebo que as queiramos
poupar a dificuldades, mas se as pouparmos a todas as dificuldades,
estamos a limitá-las para o engenho de viver, estamos a torná-las
frágeis e débeis.
- E para terminar, o que é que faz
uma boa mãe?
(risos) Costumo dizer que as mães têm
7 sentidos: os cinco habituais, o sexto que é equipamento de base e
que faz com que elas sejam capazes de traduzir por palavras coisas de
que nem sequer nos tínhamos apercebido, e depois têm um sétimo,
que não é bem um sentido, mas é uma espécie de sensor com que
descobrem tudo aquilo que não era suposto que descobrissem. Depois
têm um lado esganiçado, que é uma ternura, e fazem-nos cenas
fantásticas do tipo ‘Qualquer dia saio desta casa e depois é que
vocês vão sentir a minha falta’. Uma mãe é feita de tudo isto.
Esta capacidade de serem de uma generosidade à prova de bala. Quando
nós percebemos aquilo que se passa numa mãe quando ela dorme
exausta e de repente o bebé abre um olho e ela acorda, percebemos
tudo. Aquilo que faz uma boa mãe é este sorriso absolutamente
transparente que faz com que uma pessoa, diante disso, se sinta Deus
com os olhos dela.
- Isso é demasiado poético para
algumas mães que eu conheço, mas pronto, vamos aceitar.
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