05 dezembro 2016

Valores que vencem

O primeiro valor que vence é Rui Tavares porque tudo o que escreve aponta a um futuro melhor, mais bonito: este é um olhar de 'como será' a vida das próximas gerações. Estava para colocar apenas o texto de hoje n'O Público mas encontrei esta biografia e achei piada à humildade muito dele...

Rui Tavares: Nasci em 1972, em Lisboa, passei parte da minha infância numa aldeia do Ribatejo, e sou filho de uma geração mais velha do que a dos pais dos meus amigos. Estudei História e História da Arte, especializei-me no estudo do século XVIII, generalizei-me no estudo da História das Ideias. Cresci e fiquei de esquerda; numa biblioteca municipal tornei-me libertário. Sou independente e inesperadamente deputado no Parlamento Europeu. Escrevi alguns livros: O Pequeno Livro do Grande Terramoto, de história; a peça de teatro O Arquiteto; em breve, será publicado o ensaio A Ironia do Projeto Europeu. Descobri nos últimos esforçados minutos que é fácil escrever sobre si mesmo na terceira pessoa, mas na primeira pessoa só sobre outras coisas, e espero que esta curta biografia fique bastante escondida no site do jornal Público, que é o meu jornal preferido, no qual escrevo crónicas regulares há quase sete anos. 

 Já está perdida a UE? Durante meses só se falava da possibilidade de a extrema-direita ganhar na Áustria e de como isso faria soar o dobre de finados da UE. Para os fãs da desgraça até houve o frisson adicional de os fascistas terem três hipóteses de ganhar estas eleições: na primeira volta, na segunda volta, e numa repetição que se deu por se considerar que a margem da sua anterior derrota teria sido demasiado para que não limpasse todas as dúvidas. Ontem, pelo menos estas eleições ficaram resolvidas de vez: a extrema-direita regrediu significativamente em relação à votação anterior do seu candidato, Norbert Hofer. O que é estranho nestas eleições é só se falar do derrotado. Então e o vencedor, Alexander Van der Bellen? Aquilo de que quase nunca se falou foi da possibilidade de pela primeira vez num país da UE haver um presidente da esquerda ecológica, libertária e cosmopolita. E foi essa possibilidade que se concretizou, agora por uma margem maior ainda do que nas últimas eleições frustradas na Áustria. 

A vitória de Alexander Van der Bellen não é só uma boa notícia porque a extrema-direita não ganhou. É uma boa notícia porque ganhou a esquerda que é diametralmente oposta à extrema-direita. Não uma esquerda centrista e acomodada. Não uma esquerda fechada, nacionalista e simpática com o autoritarismo e a corrupção (desde que sejam “anti-imperialistas”). A esquerda de Alexander Van der Bellen é a que defende que todos somos cidadãos do mundo, que todos temos uma responsabilidade perante o planeta, que todos temos de ser fiéis sem concessões no respeito pelos direitos humanos, que os nossos estados têm uma obrigação de receber refugiados (o próprio Van der Bellen é filho de refugiados), que há vida para lá do estado-nação e, por fim, que a construção de um projeto europeu democrático e de uma política mundial em que os cidadãos (e não só os governos e as multinacionais) tenham voz são as únicas maneiras de regular a globalização de maneira a que ela beneficie toda a gente e todo o planeta. São estes os valores que quando corajosa e integralmente defendidos conquistam maiorias. A extrema-direita teria provavelmente conquistado o poder contra um candidato do sistema. E se a ela se opusesse um candidato de um suposto anti-sistema que no fundo concordasse com a extrema-direita nas simpatias por Putin e no fechamento de fronteiras, pouca diferença faria. Mas quando a extrema-direita é colocada perante adversários de princípios e valores assumidamente opostos, a escolha fica clara: autoritarismo ou liberdade, regressão ou progresso, passado fascista ou futuro democrático, xenofobia ou cosmopolitismo, uma Europa unida, sem fronteiras e com um papel no mundo ou uma mera coleção de países com medo do vizinho, desconfiança do estrangeiro e cada vez mais irrelevantes.
Nos tempos que correm, à distinção clássica entre esquerda e direita não há apenas que acrescentar a segunda distinção essencial entre libertários e autoritários. A crise ecológica, a tragédia dos refugiados e uma globalização desregrada e nas mãos dos mais poderosos trazem para a ribalta uma terceira distinção essencial: nacionalismo ou cosmopolitismo. Nacionalismo significa achar que o mundo se organiza por compartimentos estanques e que cada um deles, democrático ou não, impõe a ordem no seu quinhão. Cosmopolitismo significa achar que além de cidadãos da nossa cidade, da nossa região e do nosso país, temos direitos e deveres como cidadãos do nosso continente e do nosso mundo. O que os austríacos demonstraram ontem é que ser nacionalista não é ser patriota. Pelo contrário. Os cidadãos do mundo não são apenas os melhores guardiões do planeta e os melhores defensores da nossa humanidade comum como — de forma crucial — os melhores patriotas para o seu país.


Matteo Renzi em Itália não precisava de se demitir pela escolha democrática a uma alteração constitucional que propôs, é sinal que acreditava mesmo na alteração e assim vai afirmar-se numas novas eleições!

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