O primeiro valor que vence é Rui Tavares porque tudo o que escreve aponta a um futuro melhor, mais bonito: este é um olhar de 'como será' a vida das próximas gerações. Estava para colocar apenas o texto de hoje n'O Público mas encontrei esta biografia e achei piada à humildade muito dele...
Rui Tavares: Nasci em 1972, em Lisboa, passei parte da minha
infância numa aldeia do Ribatejo, e sou filho de uma geração mais velha
do que a dos pais dos meus amigos. Estudei História e História da Arte,
especializei-me no estudo do século XVIII, generalizei-me no estudo da
História das Ideias. Cresci e fiquei de esquerda; numa biblioteca
municipal tornei-me libertário. Sou independente e inesperadamente
deputado no Parlamento Europeu. Escrevi alguns livros: O Pequeno Livro
do Grande Terramoto, de história; a peça de teatro O Arquiteto; em
breve, será publicado o ensaio A Ironia do Projeto Europeu. Descobri nos
últimos esforçados minutos que é fácil escrever sobre si mesmo na
terceira pessoa, mas na primeira pessoa só sobre outras coisas, e espero
que esta curta biografia fique bastante escondida no site do jornal
Público, que é o meu jornal preferido, no qual escrevo crónicas
regulares há quase sete anos.
Já está perdida a UE? Durante meses só se falava da possibilidade de a
extrema-direita ganhar na Áustria e de como isso faria soar o dobre de
finados da UE. Para os fãs da desgraça até houve o frisson
adicional de os fascistas terem três hipóteses de ganhar estas eleições:
na primeira volta, na segunda volta, e numa repetição que se deu por se
considerar que a margem da sua anterior derrota teria sido demasiado
para que não limpasse todas as dúvidas. Ontem, pelo menos estas eleições
ficaram resolvidas de vez: a extrema-direita regrediu
significativamente em relação à votação anterior do seu candidato,
Norbert Hofer.
O que é estranho nestas eleições é só se falar do
derrotado. Então e o vencedor, Alexander Van der Bellen? Aquilo de que
quase nunca se falou foi da possibilidade de pela primeira vez num país
da UE haver um presidente da esquerda ecológica, libertária e
cosmopolita. E foi essa possibilidade que se concretizou, agora por uma
margem maior ainda do que nas últimas eleições frustradas na Áustria.
A
vitória de Alexander Van der Bellen não é só uma boa notícia porque a
extrema-direita não ganhou. É uma boa notícia porque ganhou a esquerda
que é diametralmente oposta à extrema-direita. Não uma esquerda
centrista e acomodada. Não uma esquerda fechada, nacionalista e
simpática com o autoritarismo e a corrupção (desde que sejam
“anti-imperialistas”). A esquerda de Alexander Van der Bellen é a que
defende que todos somos cidadãos do mundo, que todos temos uma
responsabilidade perante o planeta, que todos temos de ser fiéis sem
concessões no respeito pelos direitos humanos, que os nossos estados têm
uma obrigação de receber refugiados (o próprio Van der Bellen é filho
de refugiados), que há vida para lá do estado-nação e, por fim, que a
construção de um projeto europeu democrático e de uma política mundial
em que os cidadãos (e não só os governos e as multinacionais) tenham voz
são as únicas maneiras de regular a globalização de maneira a que ela
beneficie toda a gente e todo o planeta.
São estes os valores que quando corajosa e
integralmente defendidos conquistam maiorias. A extrema-direita teria
provavelmente conquistado o poder contra um candidato do sistema. E se a
ela se opusesse um candidato de um suposto anti-sistema que no fundo
concordasse com a extrema-direita nas simpatias por Putin e no
fechamento de fronteiras, pouca diferença faria. Mas quando a
extrema-direita é colocada perante adversários de princípios e valores
assumidamente opostos, a escolha fica clara: autoritarismo ou liberdade,
regressão ou progresso, passado fascista ou futuro democrático,
xenofobia ou cosmopolitismo, uma Europa unida, sem fronteiras e com um
papel no mundo ou uma mera coleção de países com medo do vizinho,
desconfiança do estrangeiro e cada vez mais irrelevantes.
Nos
tempos que correm, à distinção clássica entre esquerda e direita não há
apenas que acrescentar a segunda distinção essencial entre libertários e
autoritários. A crise ecológica, a tragédia dos refugiados e uma
globalização desregrada e nas mãos dos mais poderosos trazem para a
ribalta uma terceira distinção essencial: nacionalismo ou
cosmopolitismo. Nacionalismo significa achar que o mundo se organiza por
compartimentos estanques e que cada um deles, democrático ou não, impõe
a ordem no seu quinhão. Cosmopolitismo significa achar que além de
cidadãos da nossa cidade, da nossa região e do nosso país, temos
direitos e deveres como cidadãos do nosso continente e do nosso mundo. O
que os austríacos demonstraram ontem é que ser nacionalista não é ser
patriota. Pelo contrário. Os cidadãos do mundo não são apenas os
melhores guardiões do planeta e os melhores defensores da nossa
humanidade comum como — de forma crucial — os melhores patriotas para o
seu país.
Matteo Renzi em Itália não precisava de se demitir pela escolha democrática a uma alteração constitucional que propôs, é sinal que acreditava mesmo na alteração e assim vai afirmar-se numas novas eleições!
Matteo Renzi em Itália não precisava de se demitir pela escolha democrática a uma alteração constitucional que propôs, é sinal que acreditava mesmo na alteração e assim vai afirmar-se numas novas eleições!
Sem comentários:
Enviar um comentário