São repetitivas estas temporadas: natal e passagem de ano!?
Talvez sejam todos os anos iguais;
Talvez seja complicado ser original;
Talvez não saber como vai ser o futuro seja o mais previsível no meio da imprevisibilidade humana: gosto disso, gosto de segredos;
Talvez haja muitas maneiras de pintar a vida, dançá-la, colocá-la em teatro, musicá-la, esculpi-la, escrevê-la, cinematografá-la, torná-la arte.
E tacteá-la, ouvi-la, cheirá-la, vê-la, saboreá-las: senti-la.
Talvez, sejam necessários estes momentos para recordar de vez em quando que a vida tem de ser agarrada: 2016 despede-se com encanto, 2017 traz boas perpectivas!
Poesia da esperança
Cada dia algo de bom existia.
Andar e falar podiam ser entendidos como bens comuns ou dádivas únicas especiais.
Comum é a sociedade,
Comum porque vivemos em comunidade,
E assim está escrito na História Que vivemos melhor.
Existir, comer e dormir feito sem empenho não interessa ou não andamos cá para isso!
A nossa única vida é um privilégio e não um direito.
Olhar para tudo como quem sabe ser imperfeito e estar incompleto.
Acreditar que podemos ser melhores hoje, agora e sempre.
São a maioria deste mundo e quem mais trabalha para o bem geral... (comentário meu)
Digam comigo: queremos mais opiniões de mulheres no debate público português e de jovens e minorias.
De todas as previsões para o próximo ano, aquela em que tenho menos
medo de errar é na seguinte: no próximo ano vamos passar muito tempo em
salas de conferência, estúdios de televisão e páginas de publicações
discutindo o futuro de Portugal, da Europa e do mundo, e vamos ser quase
sempre só homens brancos de meia-idade ou mais velhos. Quem reclamar
vai ser considerado irritante.
Os debates serão longos, chatos e sem novidade. Um dos homens de
meia-idade suspirará pelo tempo em que não havia euro, outro pelo tempo
em que não havia UE, e uma das perguntas do público será de um homem com
saudades do tempo em que não havia imigração. A época por que se
suspira será determinada pelo conteúdo dos livros que o homem em causa
terá lido quando estava na licenciatura. A prioridade será regressar à
normalidade que neles era descrita para que o homem possa explicar as
receitas e soluções que já conhece de cor.
Os debates avançarão
pouco. E o debate sobre os debates avançará muito pouco. A ninguém
passará pela cabeça que uma composição diferente dos painéis — com mais
mulheres, mais jovens e até, sacrilégio!, mais minorias — dará
resultados mais interessantes. Ninguém dará muita consideração ao
argumento de que experiências pessoais diferentes trarão consigo ideias
diferentes, e que essa diversidade é proveitosa para a comunidade.
Argumentos desses serão considerados picuinhas, estrangeirados e
“politicamente corretos”. Se uma mulher os usar, dir-se-lhe-à primeiro
que tem razão e que aquela infelicidade será corrigida com o tempo, mas à
segunda vez lançar-se-lhe-à um olhar que dirá “por que és tão chata,
sua feminista impenitente?”. Se um homem se queixar, faça-se de conta
que ele não disse nada; à segunda, diga-se-lhe que poderá ele então
ceder o seu lugar a uma mulher. O objetivo é ter painéis de homens que
não se queixem por estarem em painéis só de homens e, de preferência,
que nem sequer reparem que o painel só tem homens.
Gostaria muitíssimo de me enganar. Gostaria que os organizadores de
tanta reflexão tomassem a diversidade e a representatividade como
resoluções de Ano Novo. Conheço todas as desculpas em contrário. Sei que
o trabalho de organização é ingrato, mal pago (na melhor das hipóteses)
e feito às pressas. Mas há remédios. Organizem atempadamente uma lista
de possíveis oradoras e peçam às mesmas para contribuir com mais nomes.
Liguem às pessoas de minorias que conhecem e peçam-lhes ajuda (é
desconfortável para ambos os lados? possivelmente, mas não mais do que
nunca ser ouvido ou nunca estar representado). Sei que as direções das
fundações, das revistas e das associações cívicas continuarão a ter uma
grande dificuldade em escolher mulheres para os debates, entre outras
razões porque têm pouquíssimas mulheres entre os seus membros. Alterem
os estatutos para adicionar uma missão geral de promover a diversidade
nas vossas actividades correntes e, já agora, a obrigatoriedade de
incluir mais mulheres nos órgãos. Não se arrependerão.
(Antes que
perguntem: sim, sei que apareci ontem num cabeçalho deste jornal rodeado
só por homens, e que participo num programa de televisão só com homens.
Mas protesto sempre e, nas ocasiões em que tive poder de decisão, fiz
tudo o que está descrito no parágrafo anterior. O resultado não foi só
melhor em justiça, mas também em qualidade, eficácia e aprendizagem.)
Sei
que a envolvente não ajuda. Os jornais, rádios e televisões não
costumam dar o exemplo.
Também aqui os editores e directores podem
avançar com uma resolução de Ano Novo. Digam comigo: queremos mais
opiniões de mulheres no debate público português, e já agora de jovens e
minorias também. Comuniquem essa decisão à vossa assistente ou
secretária (já repararam que é provavelmente uma mulher?), estabeleçam
uma meta, aprovem-na com quem tiver de ser, e cumpram-na em 2017. Se
mais nenhum argumento vos convencer, ao menos que seja este: ajudem-me a
falhar numa previsão.
Tornou-se um hábito falar mal de
ti mas tu é que tornas a vida apetecível: se nunca acabasse, se
fosse imortal era chato.
És um mal necessário...
Claro, que podíamos fazer de
ti e dos cemitérios salões de festas com muitas flores, muita
gente, muitas mensagens... e fazemos mas falta música.
Chegar a ti, morte, deve ser
um consagrar a vida conseguida/ultrapassada como quando chegamos ao
fim de um trajecto nos congratulamos pela meta ultrapassada.
Ir ganhando vida e depois
perdendo qualidades e capacidades torna o jogo divertido.
Tu és o 'há males que vêm
por bem' no seu sentido melhor, mais perfeito!
Se não existisses viver tornava-se banal e a vida deve ser encarada não é como um direito mas é um privilégio.
Tudo à nossa volta nos ajuda a celebrar o Natal mas nada nos ajuda a salvar as crianças de Alepo.
Alimentamo-nos de ideias e de sentimentos. Também precisamos de pão,
mas não é o pão que nos faz querer viver amanhã. Quando nos perguntamos o
que desejamos para os nossos filhos não pensamos nas coisas materiais.
Não porque não sejam necessárias mas porque as sabemos insuficientes,
porque sabemos que não chegam para viver, mesmo que cheguem para
sobreviver. Pedimos que sejam felizes.
Podemos gostar do Natal por razões materiais, porque há ceia e férias
e festa e presentes e decorações nas ruas, mas a principal razão por
que gostamos do Natal é porque quando ouvimos “Paz na terra aos homens
de boa vontade” queremos participar dessa festa. Sentimos que
pertencemos a esse grupo de homens e mulheres de boa vontade e sentimos
que podemos tornar o mundo melhor, nem que seja só um bocadinho, nem que
seja só por um momento, nem que seja só aqui à nossa volta. E gostamos
dessa sensação. Gostamos dessa ideia de Natal, que extravasa a fronteira
do cristianismo e que nem precisa do “Glória a Deus nas alturas”. Por
uns dias, no meio do frenesim das compras e dos preparativos para as
festas, sentimo-nos um pouco mais próximos uns dos outros, porque alguém
inventou um dia que esta era a festa da paz e da entreajuda. E
assumimos um pouco dessa responsabilidade. Tentamos fazer coisas
próprias dos homens e das mulheres de boa vontade, um bocadinho mais do
que nos outros dias do ano. Fazemos mais donativos, damos mais esmolas,
assinamos mais petições de causas humanitárias, tentamos ser menos
gananciosos e menos agressivos, mais disponíveis. Às vezes oferecemo-nos
para fazer trabalho voluntário. Às vezes até sorrimos para pessoas que
não conhecemos. É sincero? Em parte é, ainda que também seja mentira.
Mas,
se gostamos de nos sentir bem a propósito de nós próprios, se tentamos
de alguma forma fazer o bem e ajudar o próximo, se gostamos do Natal
porque tem um perfume disso mesmo, como é que suportámos todos estes
anos o massacre da cidade de Alepo, com os seus cem mil mortos, entre os
quais muitos milhares de civis, entre os quais muitos milhares de
crianças? Como é que suportámos isto, apenas com um ou outro tweet a
servir-nos de compensação, com uma ou outra assinatura numa petição, às
vezes com uma participação numa manifestação raquítica a pedir justiça e
paz para aquelas pessoas encurraladas numa guerra que não escolheram?
A resposta é a mesma que todos nos dão quando perguntamos o que
podemos fazer para ajudar Alepo, para ajudar todas aquelas crianças de
caras inexpressivas que já nem choram (o que poderá ser pior que uma
criança que já se habituou a sofrer?). O que podemos fazer por todos os
outros Alepos, além dos tweets e das petições e das
manifestações? Nada. Tudo à nossa volta nos ajuda a celebrar o Natal mas
nada nos ajuda a salvar as crianças de Alepo.
A triste verdade é
que as democracias de baixa intensidade em que vivemos não possuem
mecanismos que nos permitam a nós, ao povo soberano, exigir uma acção
determinada mesmo quando se trata de urgências humanitárias. Pedem-nos
que esperemos e confiemos nos poderes, mesmo quando estes estão ausentes
ou são cúmplices dos crimes. O poder soberano que detemos não possui
qualquer canal através do qual se possa exercer para salvar Alepos. Essa
impotência que sentimos é o contrário da democracia. Essa impotência
diz-nos que nenhum poder efectivo reside no povo. Uma das grandes
tarefas à nossa frente é impedir que a democracia se transforme para
sempre no regime da impotência dos homens e das mulheres de boa vontade.
Gosto
muito de pessoas e quero ver se namoro mais com a humanidade: se bem
que não gosto de toda a gente... a humanidade é muita gente: gosto
de manter as minhas amizades intímas;)
Nem
percebi a armadilha que me fizeste: essa frase é de quem domina
muito bem este assunto, é de jovem vivaço!!!
De
facto, nunca fui tímido e sempre fui um galdério!
Quando
tive um acidente apareceu toda a gente, até o grupo de sueca da
secundária apareceu (que nunca tive...), ia morrer...
É
um belo desafio este que me fazes: é uma rica dúvida, há tantas
formas de gostar e de não gostar de alguém: há gente mais
afectuosa, mais distante, mais isolada, retraída, mais social e do
grupo.
Tantas
quantas pessoas e situações, lugares, sentires, pensares, tantas...
Gostar
é irracional: não se explica porque se gosta da maior parte das
pessoas, gosta-se e pronto!
Tenho
uma dívida enorme com as pessoas com quem vivo e convivo: pais,
tios, família, amigos, conhecidos, etc.
Nunca
tive medo de viver com pessoas: é sempre uma troca, eu vou tentar
ser o melhor que sei e eles também... é como um jogo (talvez não
pense sempre nisto mas...) onde ninguém sabe mais que nós: a vida!
Normalmente, estou com gente a fazer qualquer coisa, a estar por
exemplo... ;)
É
sensorial, algo energético que passa pelo sentimento, pelo choro e
pelo riso.
Conversa-se
pouco, trocamos poucas ideias com o outro... tenho dificuldade em
responder a uma pergunta tão simples como esta 'O que é
gostar de alguém?'...
Eu gostar de outro (alguém)
porquê ou porque não?
Temos
muito a ganhar em tratar bem
os outros, criarmos Amigos, tratarmos bem porque queremos ser bem
tratados.
Gostar
é egoísta: gostamos do que nos sabe bem, comida, música, espaço,
conversa, filmes partilhados, de crianças, de velhotes, de gente
nova, curiosa, de Pessoas a sério (conceito muito diminuto), sei lá.
Gostar
diz bem de quem és e como estás (cansado, com fome, alegre,
filosófico, à vontade, descontraído); tem alguma exigência
gostar, não se gosta de toda a gente, gostar de ti implica dar de
mim e não é para toda a gente ser meu amigo (mas é quase, não sou
tão tuff assim, com uma ou duas conversas estamos com os copos
abraçados a fazer grandes reverências ao Ser Humano e à Vida...), tens que
ter alguma qualidade.
Portugal merece que os seus deputados encontrem um meio-termo entre o
que volta e meia acontece no parlamento de Taiwan e o que esta semana
sucedeu no nosso: um modelo de discussão rija sem ser selvagem e cordata
sem ser mariconça
Segundo
diz aquele grupo de nostálgicos para os quais antigamente é que era
bom, vivemos hoje uma profunda crise de valores. Depois de ter visto o
incidente do debate entre Mourinho Félix e Leitão Amaro, sinto-me
tentado a concordar. Já tive ocasião de lamentar aqui a aflitiva pobreza
dos insultos na política portuguesa contemporânea, mas creio que esta
semana teremos atingido um novo mínimo. O melhor que o secretário de
Estado conseguiu foi dizer que o deputado do PSD revelava, e cito, "uma
disfuncionalidade cognitiva temporária". Trata-se, possivelmente, do
insulto mais pífio da história dos vitupérios.
É uma ofensa
vergonhosa, que faz os possíveis para não magoar. "Disfuncionalidade
cognitiva" é uma construção que significa burro, mas já se sabe como as
perífrases retiram agressividade a uma ideia. Esta, além do mais,
através da palavra "disfuncionalidade", sugere e existência de uma
patologia, da qual o insultado não tem culpa. E a necessidade de
salientar que se trata de uma condição "temporária" é mais um paninho
quente que contribui para embolar a injúria, de modo a que ela acabe por
não injuriar. No máximo, o que Mourinho Félix conseguiu foi insinuar
que Leitão Amaro estava armado em parvo. É pouco.
O PSD, por
outro lado, esteve bem quando reagiu com indignação, mas mal quando
dirigiu a indignação para o sítio errado. A bancada social-democrata
exigiu que o secretário de Estado se retractasse, mas devia ter exigido
que o governante formulasse um insulto sério e competente.
"Com que delicada flor pensa Vossa Excelência estar a debater?", deviam ter perguntado os sociais-democratas.
"Faça
o favor de dirigir ao nosso companheiro uma afronta que vilipendie como
deve ser", teriam acrescentado se ainda houvesse honra no parlamento.
Em vez disso, segundo a SIC Notícias, que cronometrou o castigo, os
deputados do PSD impediram que o secretário de Estado falasse durante
quatro minutos e 47 segundos. Nem o progenitor mais leniente alguma vez
disse ao seu filho: "Como o menino se portou mal, vai ficar quatro
minutos e 47 segundos sem ver televisão." É uma pena ridícula que se
ajusta a um delito patético isso é certo. Mas que empenho pode o povo
esperar dos seus representantes quando as legítimas divergências
democráticas, em lugar de lhes fazerem ferver o sangue, lhes põem a
circular nas veias uma cabidela morna e pastelona, incapaz de produzir
uma irritação que se apresente? Portugal merece que os seus deputados
encontrem um meio-termo entre o que volta e meia acontece no parlamento
de Taiwan e o que esta semana sucedeu no nosso: um modelo de discussão
rija sem ser selvagem e cordata sem ser mariconça. Normalmente, as
pessoas desculpam-se dizendo: "Excedi-me." O sr. secretário de Estado
devia ter a decência de nos dizer a todos: "Peço desculpa, contive-me."
Este prémio de Dylan tem que ser um incentivo para todos nós. Não só
para quem decidir compor uma canção ou cantá-la, mas também para quem a
escolhe ao ouvir
A força de
Patti Smith vem de dentro. Goste-se ou não, quem já a leu, sabe que lhe é
característica uma doce honestidade que transparece para a sua forma de
dizer e de cantar, fruto de uma vida inteira dedicada à arte. Foi desse
lugar transparente onde raros artistas sabem estar que Patti homenageou
Bob Dylan na cerimónia do Prémio Nobel. Tive que me esforçar para
conseguir encontrar a atuação integral, uma vez que para a imprensa teve
mais interesse um engano da artista do que o poder do que ali realmente
se passou. Sentei-me, pus os auscultadores, e ouvi.
A sua voz
maternal ao lado do aço da uma guitarra Dylanesca: "Oh, where have you
been, my blue-eyed son?/And where have you been my darling young one?".
Existe esta arte de juntar palavras e criar mundos, e existe o dom de as
saber dizer, transformando-as como quem acrescenta novas possibilidades
para os mundos já escritos e descritos. De voz grossa e imperfeita
"I've stumbled on the side of twelve misty mountains/I've walked and
I've crawled on six crooked highways" e a viagem começa, tão atual como
sermos humanos pelos caminhos tortuosos do nosso tempo. Aos poucos todos
os que lá estavam perceberam, e eu também, que as palavras que Dylan
canta em tom de desafio, Patti cantou em tom de agradecimento. Ao mesmo
tempo que todas as imagens de Dylan ganhavam as cores da voz, da
expressão do corpo de Patti Smith, existia em cada uma delas o abraço, o
sorriso, e um obrigado pela divina possibilidade de olhar para o mundo
através da poesia.
Eu não prestei grande atenção a toda esta
polémica sobre o que é ou o que não é literatura. O meu grande encontro
com a poesia foi também através do fado e por isso essa questão sempre
foi óbvia para mim. Através do fado aprendi a dizer as palavras, a
encaixá-las, a moldá-las e também a destruí-las nos sons. Aprendi com a
Amália Rodrigues, Alfredo Marceneiro, Camané, Adriano Correia de
Oliveira e José Afonso. Foi na música de artistas como Dylan, Cohen, Tom
Waits, Sérgio Godinho, Jorge Palma, Rui Veloso, e muitos mais, que
aprendi as possibilidades do poema aliado à canção. Lembro-me que decidi
fazer canções em que o poema existisse independente da música.
A
ideia do poema sobreviver sozinho, não para tirar valor à música, mas
para a música ser o filtro que serve a intenção do poema. A música foi a
porta para eu me aproximar mais da poesia e me emaranhar mais
profundamente na literatura, para me aprofundar, para me tornar mais
sensível aos movimentos e cores à minha volta.
Para mim, este
Nobel de Dylan vem relembrar o mundo desta grande descoberta que foi a
Canção. Espero que nos relembre da importância de uma boa letra, de um
bom poema. Espero que os artistas mais cegos e cada vez mais vazios do
novo milénio ganhem ambição. Espero que percebam o tesouro que têm nas
mãos, a ponte, a oportunidade. Espero que os fadistas se lembrem que têm
que ser os principais representantes da melhor poesia cantada em
Português, mantendo a fasquia alta em vez de a baixar para vender mais
discos. Que deixem de pôr um fado com um poema de David Mourão Ferreira,
ou Vasco Graça Moura ou Samuel Úria ao lado de uma qualquer canção
ultrapop com um poema medíocre mas com um refrão orelhudo, mostrando
total falta de critério, direção e responsabilidade. Sim, não é fácil
escrever bem e chegar a toda a gente, mas é possível e Dylan é a prova. E
não é bem mais valiosa a ideia desta entrega pelo melhor que podemos
ser na arte? Sejamos ambiciosos então, porque este prémio de Dylan tem
que ser um incentivo para todos nós. Não só para quem decidir compor uma
canção ou cantá-la, mas também para quem a escolhe ao ouvir.
E
de voz forte e calejada, Patti Smith sorrindo da sua própria entrega
espelhada no poema do seu amigo: "And I'll stand on the ocean until I
start sinkin'/But I'll know my song well before I start singing."
A confiança perde-se quando somos apanhados a enganar a outra pessoa? Não, é perdida no momento em que se engana.
A confiança é um bem tão etéreo que não pode ser recuperado. Só pode
ser conquistada e perdida. A confiança leva tempo a conquistar porque o
coração que confia é um coração aberto, sem defesas, que pode ser
destruído num instante pela mais pequena traição.
O nosso tempo não é de confianças porque é um tempo egocêntrico e
sensacionalista em que cada um só fala de si e das coisas que sente.
Ouço dizer que A ama B, que A está apaixonada por B, que A acha que o
amor dela é correspondido. Mas A confia em B? A diz que não. E ri-se,
ainda por cima.
Confiar em alguém e saber que essa pessoa confia
em nós, poder contar com ela e saber que ela, com razão, pode contar
connosco, está para a amizade e para o amor como a segurança está para a
paz. Não há quem não saiba conquistar a confiança de alguém. É muito
fácil. Basta ser verdadeiro, ser leal e ser inabalável. Basta ter a
coragem de admitir o que toda a gente sabe: que ninguém é perfeito e que
a única perfeição que está ao nosso alcance é a consistência.
Não há nenhuma grande entrega. Uma pessoa apenas tem se dar a
conhecer. Tem de ser com honestidade. Não somos obrigados a confessar os
nossos defeitos mas quando somos apanhados a mostrar um deles temos de
sorrir e pedir desculpa por ser assim. A confiança perde-se quando somos
apanhados a enganar a outra pessoa? Não, é perdida no momento em que se
engana. A pessoa que engana é a pessoa que deixa de querer a confiança
de quem enganou. E é essa indiferença que mais magoa a pessoa enganada.
«Com Rui Vitória, todos são importantes» - Ederson
Um bom treinador deve pensar primeiro na equipa, formar um grupo coeso e onde todos puxam para o mesmo lado; deve ser muito altruísta, Ele é criador de bem estar e une o grupo
O sucesso do Benfica muito se deve à forma como o treinador conduz a equipa.
«Tem
sido uma evolução muito positiva sob o comando do treinador. A equipa
cresce a cada dia que passa. Uma coisa que fica clara com é
que todos os jogadores são importantes para o grupo. Passa-nos
confiança, sabendo que mesmo os que estão no banco podem entrar a
qualquer momento e resolver o jogo. Isso é muito importante porque os
jogadores sentem-se motivados para treinar e para jogar».
O treinador que só sabe de futebol, nem de Futebol sabe. (adaptação de uma frase de Abel Salazar sobre Medicina por um ex jogador da bola licenciado em Política Social)
«Tem sido importante
para o nosso crescimento. A boa campanha que estamos a protagonizar
nesta competição é fruto do nosso crescimento, e penso que podemos
crescer ainda mais», rematou Ederson.
Entrevista
a Eduardo Sá: "As mães têm sete sentidos"
O
psicólogo tem um livro novo - "Querida Mãe" (Ed. Lua de
Papel) - que, apesar da doçura do título, apela aos pais – e mães
- para que assumam o seu papel. Diz que as crianças não são tão
complexas que mereçam programas educativos e que não devemos viver
para os filhos.Defende
a brincadeira, a alegria, e o esforço. E também diz que o melhor do
mundo continuam a ser… as mães.
-
Este título é muito doce, mas depois o livro é um apelo à
assertividade dos pais. As crianças estão mesmo a tornar-se chefes
de família?
Sim. Tenho medo que os pais tenham
crescido em famílias e escolas demasiado autoritárias, e na ânsia
de não reproduzirem esse modelo acabam por lidar com a autoridade de
forma estranha, como um tabu. Às vezes esquecem-se que a autoridade
é um exercício de bondade. Quando os pais não exercem a sua
autoridade simplesmente porque sabem mais, na ânsia de serem bons
pais, acabam por se demitir da paternidade. E depois esquecem-se que
a autoridade funciona como uma caixa de velocidades: é preciso
regras, rotinas, atitudes ancoradas em reciprocidade. Deve haver um
conjunto de regras, e as crianças podem por vezes não as cumprir.
Mas demitindo-se do seu papel, os pais depois encontram nos filhos
uma cópia refinada dos seus próprios pais.
- Diz uma coisa tão triste: “Os
pais parecem presos aos mimos que imaginem não ter tido – e
parecem ter vivido a infância deles tão sozinhos…” Isto é
mesmo verdade’
Claro que é. Os nossos pais nunca
foram perfeitos, e não é por isso que são menos merecedores de
crédito. Mas também é verdade que, em muitos momentos, os nossos
pais não foram capazes de pôr legendas em tudo aquilo que era
indispensável para nós.
- Nós somos hoje melhores pais do
que os nossos pais?
Infinitamente. Não tem comparação
possível. Somos mais atentos, somos mais presentes, e se por vezes
não conseguimos fazer tudo aquilo que queiramos ou da maneira que
queríamos, tentamos com muita vontade. Mas tenho medo que em muitos
momentos haja uma ideia muito cor de rosa da infância, que muitas
pessoas consideram o paraíso perdido que nunca foi. A infância de
muitos pais foi mais infeliz do que eles gostariam de admitir, e é
normal que queiram ‘remendar’ nos filhos essas falhas. Eu não
questiono por um minuto a generosidade que isto representa, mas tenho
medo que pareçam gelatina Royal, que queiram ser pais sem dor.
- E não é possível ser pai sem
dor?
Não. Ser pai ou mãe implica
responsabilidade, implica perplexidade, implica muito contraditório.
- Diz que as regras não se
explicam, não se negoceiam e não se justificam. Porquê?
Porque os pais acham que são as
demonstrações quase matemáticas de uma regra que a tornam válida,
e isso não é verdade. O que torna uma regra válida é que os pais
exijam em função daquilo que fazem, o que muitas vezes não
acontece. As explicações não resolvem tudo, precisamos de mostrar
como se faz, o que torna tudo mais fácil.
- Porque é que os pais devem ter
mais direitos que os filhos?
Porque ser pai é um estatuto. E as
responsabilidades vêm equiparadas com direitos: quanto maiores as
responsabilidades, maiores os direitos. E portanto, as crianças não
devem dominar o comando da televisão, não devem dominar o
fim-de-semana com as suas actividades e ocasiões sociais. Mas acho
que às vezes os pais se queixam muito mas estão a ser um bocado
batoteiros, apresentando os filhos como desculpa daquilo que não são
capazes de construir com a pessoa que têm ao lado. É importante
lembrar que os filhos são muito importantes, ajudam-nos a crescer
como mais ninguém, mas a relação entre os pais é sempre mais
importante que os filhos. Os pais, por melhores pessoas que sejam,
precisam de ser felizes para serem bons pais. E quando põem os
filhos à frente de tudo o resto, é uma maneira hábil de dizer ‘Já
que eu não sou amado pela pessoa que tenho ao lado, ao menos que o
meu filho me ame’.
- Tentamos compensar com os filhos o
amor que não temos em casal?
Às vezes sim. Mas essa não é a
função de um filho. Mal estaríamos.
- Também fala no livro sobre
ensinar as crianças a não ter medo das dificuldades. Diz que
encontrar uma paixão dá muito trabalho. Como é que, num mundo em
que tudo é facilitado, se faz a apologia da dificuldade?
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enganosa, porque a única coisa verdadeiramente fácil é a
estupidez. Tudo o que é verdadeiramente importante dá imenso
trabalho. E às vezes não nos damos conta de tudo o que trabalhamos
para que alguma coisa pareça fácil. Portanto, andamos a mentir às
crianças e depois isso cria problemas. Percebo que as queiramos
poupar a dificuldades, mas se as pouparmos a todas as dificuldades,
estamos a limitá-las para o engenho de viver, estamos a torná-las
frágeis e débeis.
- E para terminar, o que é que faz
uma boa mãe?
(risos) Costumo dizer que as mães têm
7 sentidos: os cinco habituais, o sexto que é equipamento de base e
que faz com que elas sejam capazes de traduzir por palavras coisas de
que nem sequer nos tínhamos apercebido, e depois têm um sétimo,
que não é bem um sentido, mas é uma espécie de sensor com que
descobrem tudo aquilo que não era suposto que descobrissem. Depois
têm um lado esganiçado, que é uma ternura, e fazem-nos cenas
fantásticas do tipo ‘Qualquer dia saio desta casa e depois é que
vocês vão sentir a minha falta’. Uma mãe é feita de tudo isto.
Esta capacidade de serem de uma generosidade à prova de bala. Quando
nós percebemos aquilo que se passa numa mãe quando ela dorme
exausta e de repente o bebé abre um olho e ela acorda, percebemos
tudo. Aquilo que faz uma boa mãe é este sorriso absolutamente
transparente que faz com que uma pessoa, diante disso, se sinta Deus
com os olhos dela.
- Isso é demasiado poético para
algumas mães que eu conheço, mas pronto, vamos aceitar.
(risos) Olhe que a grande
maioria das mães são assim. No meio do cansaço, dos desafios, das
dificuldades, dos contratempos, das exigências, acho absolutamente
fantástico que consigam ser como são. Porque ser mãe não é
fácil.
O primeiro valor que vence é Rui Tavares porque tudo o que escreve aponta a um futuro melhor, mais bonito: este é um olhar de 'como será' a vida das próximas gerações. Estava para colocar apenas o texto de hoje n'O Público mas encontrei esta biografia e achei piada à humildade muito dele...
Rui Tavares: Nasci em 1972, em Lisboa, passei parte da minha
infância numa aldeia do Ribatejo, e sou filho de uma geração mais velha
do que a dos pais dos meus amigos. Estudei História e História da Arte,
especializei-me no estudo do século XVIII, generalizei-me no estudo da
História das Ideias. Cresci e fiquei de esquerda; numa biblioteca
municipal tornei-me libertário. Sou independente e inesperadamente
deputado no Parlamento Europeu. Escrevi alguns livros: O Pequeno Livro
do Grande Terramoto, de história; a peça de teatro O Arquiteto; em
breve, será publicado o ensaio A Ironia do Projeto Europeu. Descobri nos
últimos esforçados minutos que é fácil escrever sobre si mesmo na
terceira pessoa, mas na primeira pessoa só sobre outras coisas, e espero
que esta curta biografia fique bastante escondida no site do jornal
Público, que é o meu jornal preferido, no qual escrevo crónicas
regulares há quase sete anos.
Já está perdida a UE? Durante meses só se falava da possibilidade de a
extrema-direita ganhar na Áustria e de como isso faria soar o dobre de
finados da UE. Para os fãs da desgraça até houve o frisson
adicional de os fascistas terem três hipóteses de ganhar estas eleições:
na primeira volta, na segunda volta, e numa repetição que se deu por se
considerar que a margem da sua anterior derrota teria sido demasiado
para que não limpasse todas as dúvidas. Ontem, pelo menos estas eleições
ficaram resolvidas de vez: a extrema-direita regrediu
significativamente em relação à votação anterior do seu candidato,
Norbert Hofer.
O que é estranho nestas eleições é só se falar do
derrotado. Então e o vencedor, Alexander Van der Bellen? Aquilo de que
quase nunca se falou foi da possibilidade de pela primeira vez num país
da UE haver um presidente da esquerda ecológica, libertária e
cosmopolita. E foi essa possibilidade que se concretizou, agora por uma
margem maior ainda do que nas últimas eleições frustradas na Áustria.
A
vitória de Alexander Van der Bellen não é só uma boa notícia porque a
extrema-direita não ganhou. É uma boa notícia porque ganhou a esquerda
que é diametralmente oposta à extrema-direita. Não uma esquerda
centrista e acomodada. Não uma esquerda fechada, nacionalista e
simpática com o autoritarismo e a corrupção (desde que sejam
“anti-imperialistas”). A esquerda de Alexander Van der Bellen é a que
defende que todos somos cidadãos do mundo, que todos temos uma
responsabilidade perante o planeta, que todos temos de ser fiéis sem
concessões no respeito pelos direitos humanos, que os nossos estados têm
uma obrigação de receber refugiados (o próprio Van der Bellen é filho
de refugiados), que há vida para lá do estado-nação e, por fim, que a
construção de um projeto europeu democrático e de uma política mundial
em que os cidadãos (e não só os governos e as multinacionais) tenham voz
são as únicas maneiras de regular a globalização de maneira a que ela
beneficie toda a gente e todo o planeta.
São estes os valores que quando corajosa e
integralmente defendidos conquistam maiorias. A extrema-direita teria
provavelmente conquistado o poder contra um candidato do sistema. E se a
ela se opusesse um candidato de um suposto anti-sistema que no fundo
concordasse com a extrema-direita nas simpatias por Putin e no
fechamento de fronteiras, pouca diferença faria. Mas quando a
extrema-direita é colocada perante adversários de princípios e valores
assumidamente opostos, a escolha fica clara: autoritarismo ou liberdade,
regressão ou progresso, passado fascista ou futuro democrático,
xenofobia ou cosmopolitismo, uma Europa unida, sem fronteiras e com um
papel no mundo ou uma mera coleção de países com medo do vizinho,
desconfiança do estrangeiro e cada vez mais irrelevantes.
Nos
tempos que correm, à distinção clássica entre esquerda e direita não há
apenas que acrescentar a segunda distinção essencial entre libertários e
autoritários. A crise ecológica, a tragédia dos refugiados e uma
globalização desregrada e nas mãos dos mais poderosos trazem para a
ribalta uma terceira distinção essencial: nacionalismo ou
cosmopolitismo. Nacionalismo significa achar que o mundo se organiza por
compartimentos estanques e que cada um deles, democrático ou não, impõe
a ordem no seu quinhão. Cosmopolitismo significa achar que além de
cidadãos da nossa cidade, da nossa região e do nosso país, temos
direitos e deveres como cidadãos do nosso continente e do nosso mundo. O
que os austríacos demonstraram ontem é que ser nacionalista não é ser
patriota. Pelo contrário. Os cidadãos do mundo não são apenas os
melhores guardiões do planeta e os melhores defensores da nossa
humanidade comum como — de forma crucial — os melhores patriotas para o
seu país.
Matteo Renzi em Itália não precisava de se demitir pela escolha
democrática a uma alteração constitucional que propôs, é sinal que
acreditava mesmo na alteração e assim vai afirmar-se numas novas
eleições!
I, Daniel Blake é um filme britânico-franco-belga do género drama, realizado por Ken Loach e escrito por Paul Laverty. Fez sua estreia mundial no Festival de Cannes a 13 de maio de 2016, onde ganhou a Palma de Ouro.
Daniel Blake é um carpinteiro de cinquenta e nove anos de idade no Nordeste da Inglaterra, que sofre um ataque cardíaco e necessita do benefício do Subsídio de Emprego e Apoio (Employment and Support Allowance).
Enquanto ele se esforça para superar a burocracia necessária para obter
esta ajuda, conhece então Katie, uma mãe solteira e seus dois filhos
Dylan e Daisy, que para evitar que morem num albergue de pessoas
desabrigadas em Londres, terá que mudar-se para um alojamento a mais de
quatrocentos e oitenta quilómetros de distância da sua terra natal.
Dá vontade de mudar para melhorar: este mundo parece desajustado... nunca houve tanto apoio nem tanta gente a poder (mais literados que nunca...) expressar-se contra 'a sociedade'; por outro lado, há dificuldade em viver com tempo para aproveitar o privilégio de estar vivo!
Respirar, inspirar, expirar... apreciar estar vivo!
Sempre existirá gerações velhas que sentem que está tudo pior e a perder-se e novas a achar que pensam melhor nisto da vida do que no tempo todo passado: o Ser Humano é exigente, ainda bem!
Um amigo
meu que já morreu tinha uma teoria que quero passar: a teoria do
Amor!
Dizia ele
que não importa sexo, raça, idade, classe social; a todas as
pessoas podemos amar se quisermos, basta permitir-nos e o amor vai-se
propagando e quanto mais amares mais Amor tens.
Talvez não seja tão fácil como isso, como parece mas é um bom objectivo passar Amor: quanto mais amor passas mais Amor recebes!
Na sala de cinema no escuro que antecede o filme, quando dão os trailers, vem uma menina fardada falar connosco: - os senhores desculpem mas numa próxima vez vamos pedir que não utilizem uma cadeira 'destas' e utilize a sua cadeira de rodas no espaço indicado, na zona da frente da sala, por favor; usamos todas as semanas os mais variados cinemas e nunca a questão se pôs do lugar pago não ser escolhido por nós.
No comboio intercidades Aveiro Lisboa pedimos ao revisor de apoio um olhar aquando da saída de Tripé em Santa Apolónia:
-Eticamente, o senhor nem deveria estar aqui; tem o Alfa Pendular onde por mais 3 euros tem muito mais espaço para utilizar a cadeira de rodas e tem uma WC preparada para vosso uso; no outro dia veio um tipo como o senhor que não quis utilizar o que a CP pôs à vossa disposição e cagou-se todo em frente a toda a gente; fiz o dito trajecto semanalmente e, Eticamente, nunca me apareceu tão estranha maneira de cumprir o seu cuidado, trabalho pago por nós utentes mesmo pelos que não cheiram mal do rabo.
como não se notou (!?) mudanças assim tão importantes para o bem com Obama não se notará (!?) para o mal com este fanfarrão: perdemos é em postura, elegância e personalidade.
O Sistema político posto em causa: os eleitores deste menino queriam um abanão e Hillary faz parte do sistema, vamos perceber que mudanças terá com este... Idiota!
O mundo vai mudar mas digamos que não precisava de mudar do 8 ao 80!
“Esta rua é alegre.
Não é alegre uma rua anónima
mas a rua de são bento em vila do conde
vista por mim certa manhã após a chuva
e o nevoeiro a dissipar-se já junto de santa clara
E no entanto não é a rua de são bento que é alegre
Alegre sou eu.
E nem mesmo é que eu seja alegre.
Acontece simplesmente que me sirvo destas palavras
numa manhã de chuva para falar falar por falar
e não falar de mim ou de uma certa rua.
Não costumo por norma dizer o que sinto
mas aproveitar o que sinto para dizer alguma coisa.
Isto, porém, são coisas que há já algum tempo se sabem
e talvez venham aqui para salvar este momento
para salvar romanticamente este momento
ou então para ilustrar um pouco desta vida que se perde
e não só ao viver-se mas ao pensar-se sobre ela
ao atraiçoá-la tantas vezes como condição indispensável do poema.
Mas que dizia eu?
Dizia apenas "esta rua é alegre"
O mais é só comigo e com a subjectiva forma como passo a minha vida”
estavam dois rapazes a descansar à beira mar na P. das Maçãs, a fumar um ventil, o primeiro bate mais, depois de uma primeira viagem entre Coimbra e Lisboa com Rachmmaninoff e Dvorak como banda sonora.
começaram uma conversa filosófica: 'será o mar belo ou nós é que o vemos belo?'
é mesmo de quem não tem nada para fazer:
- primeiro, pensar nisso;
- depois, escrever sobre isso 16 anos depois;
- por último, estar a ler isto agora;
o mar é sempre belo (é uma certeza que nos fez crescer...) quando (no inverno e à noite... no verão e ao sol, ao vento, sempre) e onde estiveres (no litoral ou no interior, no alto da serra ou na praia, em todo o lado), há coisa melhor do que aquela água toda junta a embater em ondas contínuas na areia?
tem muito a ver com a tua disposição, logo, muda-a se o queres ver ou imaginar bonito, a verdade é que ele pode ser sempre ser Belo.
Tu podes estar em baixo, estar chateado (e de que serve estar triste se o mar e a vida continuam a estrada? façamo-la divertida!) mas com a pressão da água virás acima.
Tem muito de poesia a vida.
Hoje ia começar a falar e interromperam-me antes de emitir qualquer som: 'não venhas com os teus moralismos!' ou estou muito repetitivo ou: 'que pensas que ia dizer!? qual era o meu moralismo!?' 'hrumpf, que a vida é maravilhosa e não sei que mais...' 'já não sei o que ia a dizer mas acho fabuloso que me associem a esse tipo de moralismos...'
O volume de informação cresce a um ritmo imparável, mas a sua
diversidade e fiabilidade podem estar a diminuir, defende o especialista
em ciências da comunicação Dominique Wolton, que lança o alerta: “A
informação está a ser comida por uma ideologia técnica, e é preciso
resgatá-la”.
Fundador do Instituto de Ciências da Comunicação do CNRS (Centre
National de la Recherche Scientifique) e director da revista
internacional Hermès e da respectiva colecção de livros de bolso, Les Essentiels d’Hermès, Dominique Wolton é autor de dezenas de obras sobre os media, o espaço público, a globalização, ou as relações entre ciência, técnica e sociedade. A mais recente, Communiquer c’est vivre,
acaba de sair em França. Colaborador próximo do filósofo e politólogo
Raymond Aron, Wolton vem construindo há décadas uma original teoria da
comunicação, que procura opor uma abordagem democrática e humanista à
hegemonia do discurso técnico e económico. Convidado do Fórum do Futuro – um “festival de pensamento”,
organizado pelo pelouro da Cultura da Câmara do Porto que abre esta
terça-feira com o cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Conselho
Pontifício para a Cultura –, o investigador estará esta quinta-feira no
Teatro Rivoli (19h), para falar do “desafio de paz e guerra no século
XXI”, e dará no dia seguinte uma palestra em Lisboa, no auditório do
Instituto Superior de Economia e Gestão, sobre o “impacto das redes
sociais na comunicação”. Diz que é preciso travar o fascínio acrítico
pelas tecnologias da informação e defende que a Internet precisa de
regras, pois “actualmente é um faroeste que só serve a tirania económica
e financeira”.
Diz que “a velocidade da Internet e das
redes sociais está a devorar a liberdade de informação” e que o
jornalismo não deveria mergulhar nessa voragem. Quer argumentar?
A
Internet é óptima para nos exprimirmos, mas expressão não é informação,
é algo muito mais fácil. Separar os dois é função do jornalista. Ele
deve olhar para a Internet como um novo meio de expressão e ter
consciência de que, enquanto canal de informação, exige um trabalho de
verificação. A última coisa de que os jornalistas se podem esquecer é
que a informação é algo de valioso e difícil, que deve ser feito por
profissionais.
Defende
que a revolução tecnológica aumentou o volume de informação, mas não a
tornou mais diversa, nem reduziu os rumores, que encharcam a Internet e
são frequentemente replicados nas televisões e jornais. É uma
fatalidade, imposta pelo contexto técnico, ou haveria outro caminho?
Não
é uma fatalidade. Na verdade, é até uma grande surpresa. Pertenço a uma
tradição democrática favorável ao aumento da informação, e todos nós,
investigadores, jornalistas, políticos, achávamos que mais informação
era mais verdade: toda a luta pela liberdade de informação, desde o
século XVII, foi concebida a partir dessa premissa. Mas ninguém
antecipou que o aumento da velocidade e a pressão da concorrência
implicavam riscos, e que a informação em directo, que julgávamos mais
próxima da verdade, podia afinal errar muito, porque não há tempo para
verificar. Também não se pensou que quanto mais informação existisse,
tanto mais rumores teríamos, porque os homens são complicados e há muita
gente que se está nas tintas para a informação verificada e prefere os
rumores e as teorias da conspiração. Outra surpresa foi a constatação de
que todos os canais de informação falam das mesmas coisas ao mesmo
tempo e que a crescente concorrência entre eles não tem servido para
alargar o campo da informação. Dou um exemplo: a construção política da
Europa, esta realidade de 6, 8, 15, 28 países que se entenderam, quando
na verdade se detestam, é talvez a maior utopia da história da
humanidade, mas com toda a informação que hoje circula na Internet
parece que já não há curiosidade por este grande projecto político.
E por que é que isso acontece?
Acontece
porque a procura se tornou o critério. E quando nas redacções não se
trata este ou aquele assunto porque não interessa às pessoas, está-se a
trocar a responsabilidade da oferta, que é a grandeza do jornalismo,
pela tirania da procura. Mas o mais grave é não existir um discurso
crítico sobre isto. Estas são questões verdadeiras, que colocam
problemas graves ao nível da deontologia, e até da democracia, mas só
por as levantarmos somos vistos como reaccionários. Uma coisa que me
deixa tristíssimo é ver os jornalistas a passarem horas na Internet, a
darem a volta ao computador em vez de darem a volta ao mundo, quando
fariam muito melhor em sair e investigar. É verdade que sair do jornal
três ou quatro dias para investigar é caro, fazer bom jornalismo é caro,
e essa é uma questão política que teremos de enfrentar, porque a
informação está a ser comida por uma ideologia técnica, e é preciso
resgatá-la.
Apesar das dificuldades que os jornais de
referência ocidentais enfrentam para assegurar a sua viabilidade
financeira, não parece partilhar o pessimismo mais ou menos consensual
que não vê futuro para a imprensa generalista em papel e desespera de
ver surgir, no jornalismo on-line, uma solução estável e replicável. O que é que o leva a manter o optimismo?
Não
sou pessimista porque a história mostra que há altos e baixos, e acho
que o jornalismo tomará consciência de que a abundância de informação
não é por si só um progresso, e que o terreno que essa informação cobre é
hoje mais estreito do que nos anos 80. Os media deixaram de se
interessar por uma série de assuntos importantes, e cada vez dão menos
espaço aos pontos de vista especializados – dos militares, religiosos,
empresários, cientistas –, em favor dessa “peopleização” mundial a que
estamos a assistir [neologismo criado a partir do inglês “people”, que significa “povo” ou “pessoas”, e que os media
costumam usar para designar as suas secções de “celebridades”]. Há uma
fascinação pelas tecnologias de informação que é preciso travar: não é a
tecnologia que faz a informação, são os homens. Eu acho que o
jornalismo acabará por reagir e saberá tirar desta revolução técnica o
que ela tem de bom.
Uma das lutas da sua geração foi
garantir a existência de uma fronteira nítida entre o domínio público e a
esfera privada. Não receia que esta nova geração, que cresceu com as
redes sociais, venha a ter uma consciência um pouco mais frágil dos
riscos de se permitir que essa fronteira se esfarele?
Lutámos
durante séculos até termos, enfim, o direito a uma existência privada, e
agora, com as tecnologias de informação e com o fenómeno da
"peopleização", passamos a vida a publicitar a vida privada. É um
contra-senso. E se esta geração não percebe que é preciso preservar essa
separação, isso é grave, porque essa fronteira foi um verdadeiro campo
de batalha, e conseguir impô-la representou uma grande vitória política.
Não é por hoje ser possível contar seja o que for nas redes sociais, e
haver quem o leia, que devemos fazê-lo. Diante do computador temos uma
sensação de liberdade, mas dever-nos-ia preocupar a contradição entre
esse sentimento de liberdade e o facto de a Internet ser dominada pelo
poder económico, financeiro e técnico do Google, da Apple, do Facebook,
da Amazon.
No mundo das redes sociais vive-se uma espécie
de igualitarismo, em que não há fronteiras nem hierarquias e todas as
vozes têm o mesmo peso. Quando uma parte importante do debate público
emigrou para esta arena digital, e a sua lógica contamina cada vez mais
os media, está aberto o caminho ao populismo?
Sim,
há o risco do populismo. Nas redes sociais toda a gente se exprime em
condições de igualdade, o que é aparentemente democrático, mas, na
verdade, ao abolir-se toda a hierarquia cultural ou intelectual, o que
existe é uma tirania da expressão. O que há a fazer? É preciso que
jornalistas, professores, empresários, políticos, tenham a coragem de
dizer que este espaço de expressão é um progresso, mas que não substitui
as competências do político, do militar, do cientista, do jornalista. O
que eles têm a dizer sobre a sociedade não pode ser posto no mesmo
plano do que eu digo sobre mim próprio num qualquer canto do planeta.
Não
é impossível que o aproveitamento da Internet pelo terrorismo e pelo
crime organizado, entre outras ameaças, leve as democracias a ponderar
colocar restrições à sua utilização, como já acontece, por outros
motivos, em várias ditaduras. Parece-lhe defensável?
Este
novo espaço de expressão e informação que é a Internet precisa de uma
política, no mesmo sentido em que há uma política para as
telecomunicações, os satélites, a imprensa ou a televisão, com coisas
que são permitidas e outras que não o são. Neste momento, a Internet não
tem regras nem limites. É claro que se deve salvaguardar essa dimensão
de liberdade e de emancipação, mas com a condição de se criar uma
política. A grande batalha futura em relação à Internet não é obviamente
acabar com ela, mas estabelecer regras e leis. Actualmente é um
faroeste que só serve a tirania económica e financeira. Há uma mentira
sempre repetida: a que diz que se aplicarmos uma lei à Internet é o fim
da liberdade. Na verdade, é o inverso: é a lei que permite a liberdade,
que protege o fraco, sem ela temos a lei do mais forte, e o mais forte é
hoje o poder financeiro. Falamos da Internet como símbolo de liberdade,
quando ela está ligada aos grandes poderes imperiais do século XXI:
Google, Apple, Facebook, Amazon. É uma contradição que se pode resolver,
desde que se aceite que o progresso técnico é óptimo, mas que agora é
preciso introduzir regras sociais, políticas, culturais.
Tem
insistido na distinção entre informação, que designa a mensagem, e
comunicação, que implica uma relação e uma negociação. Pensa que a
revolução global da informação teve tradução no plano da comunicação,
que os povos e culturas do mundo se compreendem e toleram hoje mais do
que no passado recente?
Uma das grandes fraquezas da
humanidade é que adoramos matar-nos, detestar-nos e não nos
compreendermos uns aos outros. Seria de esperar que todas essas redes de
informação tivessem aumentado a tolerância, mas não é verdade: o
racismo e o ódio ao outro estão de boa saúde. Basta olhar para a Europa e
para o que se passa com os refugiados no Mediterrâneo. Temos uma aldeia
global, mas que é apenas técnica, e essa tecnologia, ao tornar mais
visíveis as diferenças culturais, não só não está a promover a
tolerância, como se arrisca a provocar mais intolerância. É um paradoxo
incrível, mas verdadeiro.
Carta aos futuros pais (e a quem não quer ter filhos)
Hugo Daniel Sousa
Coloquem o "cinto" e preparem-se para algo completamente diferente. Vão sofrer e divertir-se como nunca.
— Que barriga grande! Está grávida de quanto tempo?
— 34 semanas. Está quase a nascer (meses mais tarde)
— Ai, que bebé lindo! Que idade tem?
— Treze meses (semanas depois)
— Então, como está o menino?
— Vai andando. Tem muitas cólicas e faz uns cocós verdes. Mas já gatinha e diz tuato [gato].
Por
que raio é que as grávidas (e os “pais-grávidos”) falam em semanas? E
por que razão é que contam a idade dos bebés em meses? E que mau gosto
falar das cores de cocós, mesmo que seja em conversas com amigos ou
baixinho na esplanada. E que mania é esta de estarem sempre a falar dos
filhos, a dizer que já anda ou a contar pela 35.ª vez a frase gira que o
pequenote disse?
Eu — pecador me confesso — fazia estas perguntas
antes de ser pai, olhando para aqueles “extraterrestres” que contam a
gravidez em semanas ou dizem a idade dos filhos em meses. Mas depois
entrei nesse mundo magnífico e assustador e comecei a ver a minha vida
guiada por ecografias às 12 e 24 semanas de gravidez, consultas médicas
de mês a mês e vacinas aos seis, nove, 12, 15, 18 meses. Afinal não são
loucos; têm é um calendário diferente dos outros.
Não ter filhos
é, obviamente, uma opção tão legítima como ter — e espero ansiosamente
pela altura em que a sociedade consiga abolir aquela pergunta muitas
vezes feita com espanto “Mas por que não queres ter filhos?” “Porque
não quero”, dirão muitos (e com todo o direito). Eu preferi ter e agora
aqui estou só para vos dizer algumas coisas que gostava que me tivessem
dito antes de ser pai. Não que isso mudasse a minha decisão, mas teria
ajudado a que o choque fosse um pouco mais suave.
É claro que cada
um tem as suas circunstâncias (a rede familiar, por exemplo, pode fazer
muita diferença), a sua personalidade e há bebés mais difíceis do que
outros. A Susana Almeida Ribeiro escreveu há tempos no P3 uma hilariante crónica
sobre a diferença entre as pessoas com filhos e sem filhos. Escrevia
ela que “as pessoas sem filhos acordam com o despertador” e “as pessoas
com filhos gostariam de acordar com o despertador”. É apenas uma das
muitas boas frases escritas nessa crónica que também deu para perceber —
nas caixas dos comentários — como a maternidade/paternidade pode
afectar o sentido de humor de algumas pessoas, nomeadamente a
incapacidade para a ironia.
Não é mentira nenhuma dizer-vos que
vão perder o controlo de uma parte da vossa vida. Durante uma certa fase
da vossa vida, sair à noite é ir pôr o lixo à rua. Ou ir à farmácia
implorar ao farmacêutico por uma receita milagrosa para acabar com as
cólicas que nos estão a deixar perto da loucura.
Vão discutir
menos vezes política e futebol e mais se é melhor usar chupeta ou
chuchar no dedo. Vão descobrir que a Linha de Saúde 24 é a melhor amiga
que se pode ter às quatro da manhã. E estarão prontos a escrever uma
tese sobre a eficácia da tortura de sono ou sobre os limites da
paciência humana para lidar com choros ou pratos de comida voadores.
Quer
isto dizer que ter filhos é horrível? Sou capaz de ter respondido que
sim em algumas noites (era o sono), mas a verdade é que não. Não é
horrível. É fantástico e assustador ao mesmo tempo. A dose de
sofrimento é largamente compensada por momentos tão lamechas quanto
verdadeiros. Há pequenos gestos que nos dão mais energia do que muitas
noites de sono: aquele sorrisinho maroto, as pequenas conquistas deles
(os primeiros passos, as palavras, o salto aventureiro no escorrega), o
abraço apertado quando regressam para os nossos braços depois da escola
ou até aquela resposta espontânea que nos deixa entre o ralhete e a
gargalhada.
No dia em que fui pai, a minha vida mudou
radicalmente. Deu uma volta de 180º, e outra de 360.º e mais outra de
360.º e sei lá o que mais. Atarantado, fui parar a um lugar diferente. O
lugar de que tem a missão mais importante da vida: criar aquele bebé,
educá-lo, fazê-lo feliz. E nem dois minutos depois de ele nascer percebi
finalmente por que razão as mães nunca aceitam a resposta dos filhos:
“mãe, não te preocupes”. É impossível. Nem mesmo para o meu coração de
optimista, que fica mais apertadinho com aquelas noites na incubadora, a
febre que não baixa ou a bronquiolite que não passa.
Por isso,
para os que não querem ter filhos, só vos digo: “Nem imaginam do que se
livram, nem sabem o que perdem”. E aos que querem ter também vos digo:
“Apertem os cintos. Vão sofrer e irritar-se como nunca, mas vão rir e
amar como nunca pensaram ser possível”. E, acima de tudo, aproveitem,
porque eles crescem a uma velocidade supersónica...
É
difícil no meio do chavascal/ruído
que a Trumpa fez/criou
à sua volta darmos atenção e
ouvirmos o que interessa, o
mundo na América está a dar um
passo importante:
uma Mulher(género
maioritário em quantidade/qualidadeem
cada família) após
um negro afirma a Humanidade
A nova vida do progressismo americano
Rui Tavares
Saint Paul, Minnesota, EUA. — A diferença que um mês faz. No fim de setembro, antes do primeiro debate presidencial americano,
todas as tendências pareciam favorecer Donald Trump. Os americanos,
sobretudo os progressistas, começavam a habituar-se à ideia de ver
Presidente Trump na Casa Branca. Tinham de engolir em seco e esfregar os
olhos para terem a certeza do que estavam a ver mas, se fossem justos, a
projeção de força do candidato republicano, aliada ao entusiasmo que
ele gerava entre os conservadores e ao estilo convencional de Clinton,
era matéria mais do que suficiente para concluir: este não são os nossos
tempos. A mesma vaga reacionária que já varreu vários países vai chegar
aqui.
Hoje a situação é muito diferente. Claro que a gravação mostrando um Trump agressor sexual teve
o seu impacto e nos deixará para sempre com a questão: o que sucederia
se nas eleições tivéssemos um Trump que fosse como este um pulha em tudo
o que era público mas que não calhasse também ser um pulha em privado?
Estaríamos a caminhar agora para um mundo insustentavelmente perigoso,
em vez de só perigoso. Os americanos tiveram sorte, e nós com eles.
Ao
mesmo tempo, sinto que as incidências mais debochadas da campanha não
fazem jus ao extraordinário desempenho de Hillary Clinton. Ele ganhou
três debates sendo aquilo que é: preparada, esforçada, estudiosa,
dedicada. Estas são qualidades independentes da variável "ideologia" —
Clinton continua a ser centrista, neoliberal e moderada, e está no seu
direito. Ainda que eu não a acompanhe até essas paragens, não posso
deixar de confessar que me impressionou o que já sabíamos dela, o
domínio das políticas e o gosto de jogar pelo seguro, mas também o que é
menos valorizado, que é por essa capacidade política ao serviço de
qualidade empáticas. Isso tem impressionado também os seus potenciais
eleitores, que pela primeira vez não sentem só repulsa pelo adversário
mas entusiasmo por ela. A vitória de Clinton não será só a derrota de
Trump.
Como é evidente, a vitória também não será só de Clinton porque, ao contrário do one-man show
republicano, o esforço democrata tem sido um jogo de equipa, que passa
por Barack e Michelle Obama, Bill Clinton e Joe Biden, e cada vez mais
pelos senadores progressistas Bernie Sanders e Elizabeth Warren.
E
agora chegou de novo a altura em que a esquerda americana esfrega os
olhos e se belisca — mas porque não consegue acreditar na sua sorte. Os
republicanos deram-lhes o que em termos de ciência política se chama
"uma abébia" — e desta vez não veio sob a forma de Trump. Paul Ryan, o
suposto representante do conservadorismo responsável no Congresso, quis
alertar para o perigo dos democratas ganharem o senado perguntando à sua
plateia: "se eles ganharem sabem que vai controlar o orçamento no
Senado? Um tipo chamado Bernie Sanders". O tiro saiu pela culatra, com
fragor.
Nada poderia galvanizar mais os jovens à esquerda do
Partido Democrático, para quem agora é ponto de honra que nos próximos
quatro anos um "socialista democrático" como Sanders tenha uma palavra
decisiva sobre o orçamento dos EUA. Podem não ter conseguido levá-lo à
Casa Branca, mas no sistema dos EUA isto não fica muito atrás.
E
como o Senado também confirma a nomeação de juizes para o Supremo, há um
velho sonho que pode vir a tornar-se realidade: a abolição da pena de
morte.
Não, o progressismo ainda não mandou a toalha ao chão. Por aqui até parece ter uma nova vida.